segunda-feira, 29 de julho de 2013

Yama - O Primeiro passo do Yoga






"O Yoga é uma visão de mundo perfeitamente estruturado e integrado que visa a transformação do ser humano, de sua forma atual e grosseira numa forma perfeita...Pode-se dizer que o Yoga visa a liberdade em relação à natureza, incluindo-se aí a liberdade em relação à natureza humana; seu vôo almeja a transcendência da humanidade e do cosmos, almeja o puro ser." 

Ravi Ravindra, "Yoga: The Royal Path to Freedom", Hindu Spirituality, p.178



"Através da prática dos membros do Yoga, e com a redução das impurezas, [brilha] o fulgor da sabedoria (jnâna), [ que aumenta até chegar] à visão do discernimento." 

Yoga-Sûtra de Patanjali (*2.28) 
 







     Patanjali rishi (sábio) teve um papel de suma importância ao compilar os oito membros, ou oito passos do caminho da autotranscendência, conhecidos como angas do Yoga ( como já foi dito anteriormente). São eles:

1. Disciplina (yama) 

2. Autocontrole (niyama)

3. Postura (âsana
 
4. Controle da respiração (prânâyâma

5. Recolhimento dos sentidos (pratyâhârâ

6. Concentração (dhâranâ

7. Meditação (dhyâna

8. Êxtase (samâdhi

    O ponto que é importante frisar a respeito destes oito pontos é que cada um deles depende do anterior, o caminho óctuplo já foi comparado a uma escada que leva da vida ordinária e egoísta à rara realidade do Si Mesmo que transcende a personalidade egóica. Sob um certo aspecto, consiste numa unificação cada vez maior da consciência; sob outro, apresenta-se como uma questão de purificação progressiva. Ambos os pontos de vista constam do Yoga-Sûtra
 

Disciplina Moral ou Yama 

    O controle da mente parece ser um grande problema para a maioria das pessoas. No Bhagavad Gita, uma das antigas escrituras do hinduísmo, o Príncipe Arjuna lamenta-se com seu amigo e mestre Shri Krishna: "Ó Krishna, minha mente naturalmente inquieta agita constantemente meus sentidos. Obstinada, resiste a todas as tentativas de controle. É tão difícil de conter quanto a força dos ventos". Se olharmos um pouco dentro de nossa mente, veremos lá uma tempestade de pensamentos. Ao tentar a concentração ou meditação para acalmar a tempestade , enfrentamos normamente uma grande dificuldade. Parece que é mais fácil controlar nossos atos exteriores que controlar os nossos pensamentos! E é exatamente esta a proposta inicial! Portanto, nós começamos pelo controle exterior, e pouco a pouco, chegamos a um controle interno.

    O fundamento do Yoga, como de todo caminho autêntico para o autoconhecimento e aprimoramento rumo a uma verdadeira libertação, é uma ética universal. O primeiro passo de Patanjali, portanto, não é nem a postura, nem a meditação, mas a disciplina moral (yama). 

    As práticas da disciplina moral (yama) têm a finalidade de pôr freio ao poderoso instinto de sobrevivência e canalizá-lo para servir a um propósito superior, regulando as interações sociais entre as pessoas. Juntas elas constituem o grande voto (mahâ-vrata), que, de acordo com o Yoga-Sûtra (2.31), deve ser posto em prática independentemente de lugar, tempo, circunstâncias e da posição social da pessoa. Essas atitudes morais têm a finalidade de pôr rédeas à nossa vida instintiva. A integridade moral é um pré-requisito essencial da prática bem-sucedida do Yoga. 

    Esta prática compreende cinco grandes obrigações morais. São elas:

1. Não-violência (Ahimsâ) 

2. Veracidade (Satya) 

3. Não roubar (Asteya) 

4. Ver a divindade dentro de cada pessoa, também interpretado como Castidade (Brahmacarya) 

5. Não cobiçar, ou não acumular coisas supérfulas para a vida (Aparigraha)  

    O mais fundamental de todos os preceitos morais é o da não-violência. A palavra Ahimsâ é traduzida muitas vezes por "não matar", mas essa tradução não transmite o pleno sentido do termo. Ahimsâ, na verdade, é a não-violência em pensamentos e ações. É a raiz de todas as outras normas morais. A epopéia do Mahâbhârata (3.312.76) emprega a palavra anrishamsya ("falta de malícia") como sinônimo de ahimsâ. O motivo pelo qual o yogin cultiva essa virtude é que o desejo de não fazer mal a outro ser nasce do impulso de unificação e de transcendência do ego, o qual vive, caracteristicamente, em guerra consigo mesmo. Os yogins, portanto, buscam acalentar aquelas atitudes que aos poucos vão ajudá-los a realizar o que o Bhagavad-Guîtâ (13.27) chama de visão de igualdade (sama-darshana)- uma visão que vai além das aparentes diferenças entre os seres e chega até a sua Ipseidade Transcendental.

    A veracidade, ou Satya, é muitas vezes exaltada na literatura ética e yogue. O Mahanirvâna-Tantra, por exemplo, nos diz:


"Não há virtude mais excelente que a veracidade nem pecado maior que a mentira. Portanto, o homem [virtuoso] deve buscar refúgio na veracidade com todo o seu coração.



Sem a veracidade, a recitação [dos mantras sagrados] é inútil; sem a veracidade, as penitências são tão infrutíferas quanto uma semente lançada em terra árida.



A veracidade é a forma do supremo Absoluto (brahman). A veracidade é, sem dúvida alguma, a melhor das aceses. Todos os atos [devem ter] por fundamento a veracidade. Nada há de mais excelente que a veracidade." (4.75-77)


    O não- roubar, ou Asteya, liga-se de perto à não-violência, uma vez que o ato de apropriar-se de coisas de valor sem a autorização do proprietário é uma forma de violência contra a pessoa de quem essas coisas são roubadas

    O Brahmacarya é muitas vezes interpretado como castidade, mas seu objetivo é evitar o hedonismo descontrolado. Sob o aspecto mais geral, pensa-se que a estimulação sexual interrompe ou obstaculiza a aspiração à iluminação ou libertação, na medida em que alimenta o desejo de experiências sensoriais. É interpretada e aplicada de maneira diferente dependendo da tradição.

    O não-cobiçar, ou Aparigraha, é definido como o hábito de não acumular coisas supérfulas, ou não aceitar presentes, pois eles tendem a gerar apego e o medo da perda. Assim, os yogins são encorajados a cultivar a simplicidade voluntária. O excesso de bens materiais só serve para distrair a mente. A renúncia é um aspecto que faz parte do estilo de vida yogue.

    Afirma-se que cada um dessas cinco virtudes, quando plenamente dominada, dá ao seu possuidor certos poderes paranormais (siddhi). A perfeição da não-violência, por exemplo, cria ao redor dos yogins uma aura de paz que neutraliza na presença deles todos os sentimentos de inimizade e até mesmo a hostilidade natural que existe entre certas espécies de animais, como o gato e o rato. Com a perfeita veracidade, os yogins adquirem o poder de fazer com que suas palavras sempre se realizem. A perfeição da virtude do não-roubar faz com que obtenham, sem esforço, tesouros de todos os tipos, ao passo que o não-cobiçar é a chave para o conhecimento do nascimento atual e dos nascimentos anteriores, provavelmente porque o apego ao corpo-mente é uma forma de cobiça, ao passo que o não-cobiçar implica um alto grau de desapego em relação às coisas materiais - o corpo inclusive - , o que faz vir à tona as lembranças esquecidas acerca das existências anteriores.

Por fim, quando os yogins firmam-se na virtude da castidade, adquirem grande vigor.

Alguns textos tardios de Yoga mencionam outros cinco preceitos morais: 

1. Compaixão (Dayâ) ou amor ativo

2. Retidão (Ârjava) ou integridade moral

3. Paciência (Kshamâ) ou a capacidade de identificar-se metodicamente com a consciência-testemunha e deixar que as coisas se desenrolem segundo seu próprio ritmo

4. Constância (Dhriti) ou a capacidade de permanecer fiel aos próprios princípios

5. Dieta parca (Mita-Âhâra; escreve-se mitâhâra), que pode ser considerada um subcategoria do não-roubar, pois os excessos alimentares são uma forma de roubar os outros seres e a Natureza. 

    De certo modo, as práticas virtuosas mostradas acima são englobadas pelas cinco categorias de Yama, ou disciplina moral. Esse controle criativo que os yogins exercem sobre as suas energias exteriorizantes resulta num excedente energético que pode então ser posto a serviço da transformação espiritual da personalidade!

    Hoje tratamos de forma principal o primeiro membro do caminho óctuplo de Patanjali, Yama, que tem como objetivo oferecer formas de comportamento para que possamos através deles canalizar nossos instintos mais primitivos, com o objetivo de regular as interações sociais. Posteriormente falaremos sobre Niyama, princípios éticos também mais com o intuito de harmonizar relacionamento com a vida em geral, consigo mesmo e com a Realidade transcendente. 


Namaskar - "O divino que habita em mim, saúda o divino que habita em você, com toda força da minha mente e amor do meu coração"



Gabriella Fernandes



Referências Bibliográficas 


    Neste texto usei como fundamentação principal o livro de Georg Feuerstein "A Tradição do Yoga - Histórias, Literatura, Filosofia e Prática", da editora Pensamento. Além desta obra principal utilizei referências nas obras de Swami Bhaskarananda "Meditação - A mente e a Yoga de Patânjali", da editora Lótus do Saber e a obra de Srii Srii Ananda Murti ou P.R.Sarkar "A libertação da mente através do Tantra Yoga", da editora Ananda Marga, Yoga e Meditação.
 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Porque devemos Meditar?