segunda-feira, 10 de março de 2014

Porque a língua utilizada no Yoga é o Sânscrito ? - O som como veículo de transcendencia


Para tentar explicar o significado desta sagrada língua milenar, que é o Sânscrito, quero pegar emprestado o texto de uma grande amiga e grande estudiosa da filosofia do Yoga: Yogacarini Shivasankari. O texto é um trecho de sua apostila "A Origem do Yoga":

Samsktam ( = Sânscrito)

A língua usada nos Vedas e na maior parte da literatura Hindu é o Sânscrito. O Sânscrito é considerado uma língua cósmica e dito ser ressonante com o som que vibra no Universo. Devanãgari significa "Escrita dos Deuses" e é o nome no qual os caracteres na língua Sânscrita são escritos.
Todos os sons e palavras do Sânscrito são ditos serem cheios de luz e profundo significado e ressoam com a Realidade Cósmica. Isso se deve a um aspecto da língua Sânscrita no qual toda palavra é conectada com o seu significado; palavra e significado a um certo nível são em verdade a mesma coisa. Esse conceito chama-se Nama e Rupa (nome e forma), onde todo nome tem uma forma e toda forma tem um nome ou som.
As línguas comuns que conhecemos foram criadas pela cognição e condicionamento de certos objetos com certos sons, os quais foram essenciais para nossa interação com o mundo objetivo. Objetos foram chamados por certos nomes porque em certo ponto da linha do tempo e espaço foi decidido que certo som seria bom para ser utilizado para nomear um objeto em específico, a mente então é capaz de sempre que vê esse mesmo objeto o reconhecer por esse nome específico.
Uma das diferenças entre o Sânscrito e as outras línguas, segundo os mais tradicionais, é que o Sânscrito tem relevância vibracional entre o nome e objeto e não é apenas fruto de uma convenção humana.
A ciência moderna já nos tem provado que não existe tal coisa como matéria sólida. Todo objeto material é feito de átomos e todo átomo consiste de um núcleo positivamente carregado ( contendo prótons e tipicamente também nêutrons) e rodeado por elétrons negativamente carregados. O núcleo que foi considerado ser a menor partícula mais sólida é hoje confirmado ser nada mais, nada menos que energia muito concentrada. Einstein há muito tempo já nos dizia através de sua fórmula E=mc² ( energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado) que todo este Universo é formado única e exclusivamente de energias que vibram em diferentes frequências nos dando como resultado a percepção de diferentes objetos.
Tudo aquilo que vibra consequentemente produz um som. Nós, como seres humanos limitados pela percepção do mundo através dos nossos sentidos, podemos escutar apenas frequências que se encontrem dentro do valor médio de 20 a 20000Hz. Dentro das escrituras Hindus encontramos o termo Nada que significa a vibração primordial,fonte de toda criação. Segundo essa cultura, Deus ou a Pura Consciência, encontra-se ainda além da manifestação da vibração, no entanto esta, sendo a mais sutil das vibrações é o mais próximo que chegaremos dessa Realidade Não Manifestada. A importância do Om é que este som, este símbolo representa o último vestígio da razão humana, no qual toda a manifestação está contida, é a forma de Deus em sua forma ainda racional e menos personalizada possível. Em muitas religiões se ouve falar de que toda criação emanou a partir do som ou do verbo. No caso do Hinduísmo este som primordial é denominado Om, som presente no momento da criação e ainda contínuo e vibrante em todo o Universo.
Os mantras, ou palavras em Sânscrito são ditos serem tão poderosas, pois diferente das línguas comuns, os nomes dados aos objetos foram percebidos e não criados. Sendo assim os mantras tem um poder natural de invocar o objeto, e o inverso também é válido, a partir de intensa concentração é possível extrair o nome ou vibração condizente com o objeto.

Valmiki

Esse fenômeno é contado em uma história bem conhecida na literatura hindu a respeito do santo Valmiki:
Um dia quando Narada Rsi (uma deidade cósmica) andava pela floresta um ladrão o parou e tentou roubar pertences e dinheiro. Narada então lhe questionou:
-Por que você maltrata e abusa de pessoas inocentes? Você não se sente mal por isso? Não se sente envergonhado?
-Eu o faço porque tenho família e filhos para sustentar. Preciso alimentá-los, precisamos sobreviver e não me sinto envergonhado pois eles precisam de mim - respondeu o ladrão.
-E você acha que eles não se importam com a maneira cruel que usa para sustentá-los? Acha que eles não se importarão em dividir as consequências de seus maus atos?
O ladrão prontamente imaginou que seus filhos e sua esposa não se importariam em dividir as consequências de seus atos, já que também dividiam com ele a comida e dinheiro que lhes levava.Um ponto de dúvida ainda o incomodava e ele decidiu ir para a casa e perguntar para sua família a respeito.
Chegando lá ele lhes contou do ocorrido, e se deu conta de que sua família não se importava com a forma na qual ele lhes arranjava o sustento. Ele sendo pai e chefe de família tinha a obrigação de lhes sustentar, e a família certamente não dividiria as consequências de suas ações.
Decepcionado ele voltou à floresta em busca do Rsi Narada e lhe implorou que o ajudasse a se livrar de toda a culpa e se purificar. Sendo o ladrão um ignorante, repleto de raiva contra sua família o ladrão não era capaz de pensar em algo puro e sublime e Narada pensou em como poderia ajudá-lo. Ele o instruiu a se concentrar repetidamente no som Mara (morte) até que todos os seus maus atos fossem purificados. Com determinação e persistência ele sentou-se de pernas cruzadas e por longos anos se concentrou:
-Mara Mara Mara Mara Mara Mara Ma Ra Ma Ra Rama Rama Rama Rama Rama...
Ele repetiu e repetiu até se esquecer de sua família, se esquecer de sua vida, esquecer do mundo e até se esquecer de si mesmo, tão longo foi o tempo em que permaneceu sentado em intensa concentração que um formigueiro cobriu seu corpo inteiro. Ele por fim se purificou, e entendeu a Realidade Cósmica através do nome de Rama, encarnação do Senhor Visnu. Sua consciência tornou-se tão elevada que se tornou um santo, um sábio, um Rsi e teve uma visão divina sobre a história de Rama e escreveu o livro chamado Ramayana. Esse Rsi ficou conhecido como Rsi Valmiki, o Rsi que foi coberto por um formigueiro.

Ajamila

Em Sri Mad Bhagavatam existe uma história sobre Ajamila, um homem que foi capaz de escapar da morte.
Ajamila era um Brahmin correto que conheceu uma mulher e se perdeu em prazeres banais tornando-se um homem fútil e mundano, esquecendo-se completamente do conceito de Dharma.
Ajamila teve dez filhos com essa mulher, de todos eles o caçula era seu favorito, seu nome era Narayana. Ajamila era extremamente apegado a essa criança, e não era capaz de pensar em qualquer outra coisa se não em seu filho caçula. Passando todo o seu tempo desta forma e completamente envolvido com sua esposa, Ajamila nunca percebeu que estava se tornando velho e que a morte lentamente se aproximava. Quando o momento de sua morte chegou todos os seus pensamentos e ações estavam em torno de seu filho. Ajamila viu a distância os mensageiros de Yama (Senhor da Morte) se aproximar. Viu que seu filho brincava no jardim dos fundos e com a voz já a falhar suplicou que o filho viesse até ele: "Narayana!" - ele chamou. E assim ele morreu.
Neste exato momento serventes do Deus Narayana, ouvindo seu chamado, vieram resgatar Ajamila o mais rápido possível. Eles viram os mensageiros do Senhor Yama arrastarem a alma do corpo de velho Brahmin. O serventes de Narayana lhes disseram que aquela alma pertencia a eles, pois no momento da morte Ajamila chamou o nome de Narayana, desta forma era dever deles que o levassem até Ele.
Os mensageiros explicaram que Ajamila era um homem mundano que não cumpria o seu Dharma, apegado a coisas fúteis e passageiras. Na hora de sua morte ele chamava em realidade o nome de seu filho, e de forma alguma havia pensado no nome de Deus. Desta forma Ajamila não poderia ir aos planos celestiais após a morte, logo era seu dever levá-lo ao plano de Yama.
Vendo toda essa confusão acontecer o Senhor Yama resolveu vir pessoalmente resolver o problema. Ele explicou aos seus mensageiros que tamanha era a determinação de Ajamila em chamar o nome de Narayana ao morrer que agora sua alma de fato pertencia ao senhor Narayana, pois o nome não é uma palavra vazia, mas a presença e força do Deus Narayana reside em seu nome.

Como ilustrado nestas histórias, o Sânscrito é cheio de força e vida, os Mantras são mensagens da realidade Suprema que foram postas de maneira audível através dos Rsis. Os Vedas, assim como a língua Sânscrita são sons ou mensagens audíveis dessa realidade mais sutil, e por isso os Rsis que as revelaram são considerados apenas seus transmissores e não seus autores, e os Vedas são aceitos como não tendo início ou fim, pois apesar da sua existência escrita ter tido um início, sua origem real é eterna.