sábado, 24 de agosto de 2013

O aquietamento das ondas mentais é Yoga



"...O homem é aquilo que pensa; servidão ou libertação estão em sua mente. Sentir-se aprisionado é estar aprisionado. Sentir-se liberto é estar liberto. As coisas lá fora nem o aprisionam nem o libertam; somente sua atitude perante elas faz isto..."


Quando a palavra Yoga é mencionada, muitas pessoas pensam imediatamente em algumas posturas físicas para relaxar e tornar flexível o corpo. Este é um dos aspectos da ciência yogi, mas na verdade é só uma pequena parte e relativamente recente em seu desenvolvimento. O Yoga físico, ou Hatha Yoga, foi inicialmente concebido para facilitar a verdadeira prática do Yoga, a saber, a compreensão e o domínio completo da mente. Portanto, o verdadeiro significado de Yoga é a ciência da mente.

Todos nós queremos saber mais sobre nossas mentes: como funcionam e como trabalhar com elas.Esse campo é mais próximo de nós do que qualquer outra coisa na vida. Saber como consertar um carro, preparar uma refeição ou como dividir átomos pode ser interessante e útil. Mas, para pessoas atentas, o que chama logo sua atenção é sua própria mente. O que é a mente? É ela que determina o nosso comportamento e a nossa experiência ou somos nós que a criamos e sustentamos? O que é a consciência? Podemos nos voltar para dentro de nós mesmos para estudar, compreender e mesmo controlar a mente? Este é o tema central da antiga ciência do Raja Yoga.

Tradicionalmente, a palavra Yoga em si refere-se ao Raja Yoga, a ciência da mente. Atualmente, com o crescente interesse pela expansão da consciência e pela ciência da mente em geral, é natural que voltemos para a antiga ciência do Raja Yoga. Existem, é claro, muitas abordagens ocidentais ao estudo e controle da mente, cada qual promovendo vários conceitos e técnicas diferentes. Mas comparada a elas, a antiga ciência Yogi representa um grande ancestral. Por milhares de anos os yogis vêm investigando os mistérios da mente e da consciência, e podemos muito bem descobrir que alguns de seus achados aplicam-se também às nossas próprias pesquisas.

O texto primário de Raja Yoga é chamado de Yoga Sutras de Pantanjali (às vezes de Patanjala Yoga Sutras ou Yoga Darsanam). Sutra significa literalmente "fio", cada sutra sendo o fio condutor que o professor deve expandir, adicionando "contas" de experiência, exemplo, etc. em benefício dos estudantes. São quase 200 sutras que expõe ensinamentos relacionados ao autoconhecimento,  filosofia do Yoga, as partes que se divide a Raja Yoga, os benefícios, os obstáculos para a sua obtenção e os meios de transpor tais obstáculos, as conquistas que acontecem ao praticante sincero e samadhi.

Não se sabe exatamente quando Patanjali - chamado de Maharishi, que quer dizer grande sábio - viveu. Estima-se que a data dos Sutras varia entre 5000 a.C. e 300 d.C. Em todo caso, Patanjali não foi o "inventor" do Raja Yoga, mas sistematizou, compilando idéias e práticas já existentes. Desde então tem sido considerado o "Fundador do Yoga" e seus sutras, a base para toda uma variedade de tipos de meditação e Yoga, que florescem hoje numa míriade de formas.

É dito por grandes estudiosos da filosofia do Yoga que o segundo sutra de Patanjali, por si só, já seria o suficiente, pois todos os sutras restantes apenas o explicam. É deste que vamos falar hoje:

YOGASCITTAVRTTINIRODAH

Yogas= Yoga; citta= da substância mental; Vritti= alterações; nirodhah= contenção

A tradução é:

O aquietamento das ondas mentais é Yoga.

Neste Sutra, Patanjali apresenta-nos o objetivo do Yoga. Se a contenção das alterações mentais for alcançada, a pessoa terá atingido o objetivo do Yoga. Toda a ciência do Yoga é baseada nisto. Patanjali apresentou a definição do Yoga e, ao mesmo tempo, a prática. "Se você puder controlar as ondulações da mente, você vivenciará o Yoga."

Discutiremos agora o significado de cada palavra do Sutra. Em geral, a palavra Yoga é traduzida como "união", mas uma união necessita de duas coisas a serem unidas. Neste caso, o que se unirá a quê? Assim, consideramos Yoga significando, aqui, a experiência Yogi. A extraordinária experiência alcançada através do controle das ondas mentais chama-se Yoga.

Chittam é a soma total da mente. Para ter uma imagem completa do que Patanjali quer dizer com a palavra "mente", você deve saber que dentro do chittam há diferentes níveis. A mente básica é chamada ahamkara ou o ego, o sentimento do "Eu". Isto faz surgir o intelecto ou faculdade de discernimento que é chamada buddhi.Outro nível é chamado manas, a parte da mente que deseja, que sente atração pelas coisas exteriores através dos sentidos.

Por exemplo, você está tranquilamente sentado apreciando a paz da solidão, quando um cheiro agradável vem da cozinha. No momento em que manas percebe, "Estou sentido um cheiro agradável vindo de algum lugar", buddhi raciocina, "Que cheiro é este? Acho que é queijo. Que bom! De que tipo? Suíço? Sim, é queijo suíço." Assim, uma vez que buddhi decida, "Sim, é um delicioso pedaço de queijo suíço, como aquele saboreado na Suíça no ano passado", ahamkara diz, "Oh, então é isto? Então devo comer um pedaço agora." Estas três coisas acontecem uma de cada vez, mas tão rápido que raramente as distinguimos.

Estas alterações dão origem ao desejo de comer o queijo. Criou-se o desejo, e a não ser que o satisfaça indo até à cozinha e comendo o queijo, sua mente não retornará à condição original de paz. Está criado o desejo, consequentemente a vontade de satisfazê-lo, e, uma vez que o satisfaça, você estará de volta à sua original situação de "paz". Esta é a condição natural da mente. Mas estes chitta vrittis, ou as alterações da substância mental, pertubam esta paz.

Todas as alterações mentais têm origem nas diferenças recebidas do mundo exterior. Por exemplo, imagine-se não tendo visto seu pai desde que você nasceu e que ele retorne quando você tem dez anos. Ele bate à porta. Abrindo-a, você vê um rosto estranho. Corre para sua mãe, dizendo: "Mamãe, há um estranho lá fora." Sua mãe vai à porta e vê o marido que esteve longo tempo ausente. Com toda alegria ela o recebe e apresenta-o como seu pai. Você diz: "Oh, meu pai!" Poucos minutos antes, era um estranho; agora, tornou-se o seu pai. Transformou-se em seu pai? Não; é a mesma pessoa. Você criou a idéia do "estranho" depois transformou-se em "papai", só isto.

O mundo exterior é todo baseado em seus pensamentos e atitudes mentais. O mundo inteiro é apenas sua própria projeção. Seus valores podem mudar na fração de um segundo. Hoje você pode não querer mais ver alguém que foi seu querido amor de ontem. Se nos lembrarmos disto, não sofreremos tanto com as coisas que nos rodeiam.

É por isto que o Yoga não se incomoda muito em mudar o mundo exterior. Há um ditado sânscrito que diz: "Mana eva manushyanam karanam bandha mokshayoho." "O homem é aquilo que pensa; servidão ou libertação estão em sua mente." Sentir-se aprisionado é estar aprisionado. Sentir-se liberto é estar liberto. As coisas lá fora nem o aprisionam nem o libertam; somente sua atitude perante elas faz isto.


Sri Swami Satchidananda  dizia à prisioneiros: "Todos vocês sentem-se prisioneiros e esperam ansiosamente transpor estes muros. Mas olhem para os guardas. Não são parecidos com vocês? Eles também estão entre os muros. Mesmo que possam sair à noite, todas as manhãs vocês os vêem aqui de volta. Eles adoram entrar aqui; vocês adorariam sair. A clausura é a mesma. Para eles não é uma prisão; para vocês é. Por que? Há alguma mudança nestes muros? Não, vocês sentem que é prisão; eles sentem que é um lugar para trabalhar e ganhar seu salário. É a atitude mental. Se, ao invés de aprisionamento, pensarem neste lugar como um reformatório que lhes dá uma oportunidade de mudarem sua atitude diante da vida, de reformarem e purificarem a si mesmos, adorarão estar aqui até que se sintam purificados. Mesmo que lhes digam: "Seu tempo acabou; podem ir", poderão dizer: "Ainda não estou purificado, senhor. Quero ficar aqui por mais algum tempo." De fato, muitos destes prisioneiros continuaram a levar uma vida yogi mesmo após deixar a prisão, e até mesmo foram gratos por sua vida na prisão. Isto significa que eles compreenderam bem o que lhes foi dito.

Assim, se puder ter controle sobre suas formas de pensamento e conseguir modificá-las como quiser, você não será escravizado pelo mundo exterior. Não há nada errado com o mundo. Você pode transformá-lo num céu ou num inferno de acordo com sua vontade. É por isto que o Yoga é todo baseado no chitta vritti nirodhah. Se você tem controle de sua mente, você tem controle de tudo. Assim, nada neste mundo poderá aprisioná-lo.


Este texto foi retirado do livro "Os Sutras do Yoga de Patanjali - Tradução e Comentários por Sri Swami Satchidananda" e foi adaptado por mim em alguns pequenos trechos, somente com o intuito de facilitar o entendimento.

Namaskar!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Niyama ou Autocontrole - O segundo membro do caminho óctuplo de Patanjali




"O corpo conhece o tato; a língua, o paladar; o nariz, aromas; os ouvidos, sons; os olhos, as formas; mais os homens que não conhecem o profundo do Si Mesmo (Adhyâtman) não captam este Supremo"

Mahâbhârata (12.195.4)

"Quando o yogin se qualifica pela prática da disciplina moral (yama) e por abster-se das ações ilícitas (niyama), pode passar para a prática da postura e dos outros meios."

- Yoga-Bhâshya-Vivarana 2.29


As normas da disciplina moral (yama) têm a finalidade de pôr freio ao poderoso instinto de sobrevivência e canalizá-lo para servir a um propósito superior, regulando as interações sociais dos yogins. O segundo membro do caminho óctuplo de Patanjali continua a controlar a energia psicofísica liberada pela prática regular da disciplina moral. Os elementos do autocontrole (nyama) dizem respeito à vida interior dos yogins. Enquanto as cinco regras de yama servem para harmonizar o relacionamento deles com os outros seres, as cinco regras de niyama harmonizam o relacionamento deles com a vida em geral e com a Realidade transcendente. As últimas cinco práticas são:

1.            Pureza (Shauca)

2.            Contentamento (Samtosha)

3.            Ascese (Tapas)

4.            Estudo (Svâdhyâya)

5.            Devoção ao Senhor (Îshvara-pranidhâna)

"A limpeza é irmã da santidade": eis o que dizia John Wesley, e o puritanismo da Índia acataria perfeitamente esse juízo. A purificação é uma das principais metáforas da espiritualidade yogue, e por isso não é de surpreender que a pureza seja considerada uma das cinco formas de autocontrole, Shauca. O sentido da pureza fica explícito no Yoga-Bhâshya (2.32), que distingue a limpeza externa da pureza interna (mental). A primeira se realiza por meios tais como os banhos e a alimentação adequada, ao passo que a segunda é fruto de instrumentos como a concentração e a meditação. Em última análise, a personalidade em seu aspecto mais elevado, o sattva, deve ser tão pura que possa espelhar sem distorções a luz do Si Mesmo transcendente. O Maitrâyanîya-Upanishad nos ensina acerca da pureza mental:

"Diz-se que a mente é dúplice: pura ou impura. É impura devido ao contato com os desejos; é pura quando liberta dos desejos. Quando o homem liberta a mente da preguiça e do desmazelo, torna-a imóvel e chega então ao [estado] onde não há mente, é esse o estado supremo. A mente deve ser contida no interior até a hora em que venha a dissolver-se. Essa é a gnose e a salvação; tudo o mais não passa de conhecimento livresco. Aquele cuja mente se tornou pura pela concentração e entrou no Si Mesmo sente uma alegria que não se pode descrever com palavras e que só é inteligível ao instrumento interior [i.e.,à psique]. (6.34)"

O contentamento, Samtosha, é uma virtude exaltada pelos sábios do mundo interior. No seu Yoga-Bhâshya (2.32), Vyâsa explica-a como o não cobiçar-se mais do que se tem à mão. O contentamento, portanto, é uma virtude diametralmente oposta à moderna mentalidade consumista, a qual é movida pela necessidade de adquirir cada vez mais coisas para preencher o vazio interior. O contentamento é uma expressão da renúncia, o sacrifício voluntário das coisas que nos serão inevitavelmente arrebatadas no momento da morte. Liga-se de perto àquela atitude de indiferença que faz com que os yogins encarem com a mesma frieza um torrão de terra e uma pepita de ouro. Isso permite que os yogins deparem com o sucesso e o fracasso, o prazer e a dor, com a mesma equanimidade inabalável.

A ascese, Tapas, é o terceiro elemento de Niyama e abrange práticas como as de ficar de pé ou sentado imóvel por um tempo prolongado; suportar a fome, a sede, o calor e o frio; o silêncio formal; e o jejum. A palavra Tapas significa "clarão" ou "calor" e denota a grande energia psicossomática que se produz através da ascese, energia essa que muitas vezes se faz sentir sob forma de calor. Os yogins usam essa energia para aquecer o caldeirão do seu corpo-mente até fazê-lo destilar o elixir da consciência superior. Segundo o Yoga-Sûtra (3.45), o fruto dessa ascese é a perfeição do corpo, o qual torna-se tão forte e robusto quanto um diamante. Não se deve, porém, confundir tapas com a autoflagelação prejudicial e com o faquirístico suplício de si mesmo.

O Bhagavad-Gîtâ distingue três tipos de ascese, que variam segundo a predominância de uma ou outra das três qualidades (gunas - falaremos sobre elas em uma postagem posterior) da Natureza:

"A adoração prestada aos deuses, aos nascidos duas vezes, aos mestres e aos sábios, bem como a pureza, a retidão, a castidade* e a não-violência - [a isto] se chama a ascese do corpo.

Palavras que não causam inquietação e são verazes, agradáveis e benéficas, bem como a prática do estudo (Svâdhyâya) - [a isto] se chama ascese da fala.

Serenidade mental, bondade, silêncio, auto-controle e purificação dos estados [interiores] - a isso se chama de ascese mental.

Quando essa tríplice escese é praticada com fé suprema por homens jungidos e [que] não anseiam pelo fruto [ de suas obras], é qualificada como da natureza de sattva ( sutil ou puro).

A ascese feita com ostentação ou para [assegurar] a cordialidade, a reverência e a veneração [alheias], é qualificada aqui [neste mundo] como natureza rajas ( instável e denso), É superficial e instável.

A ascese feita por força de concepções tolas [com o objetivo] de infligir-se torturas a si mesmo, ou que tem a finalidade de fazer mal a outra pessoa - é qualificada como a natureza de tamas (escuridão e obscuridade).(17.14-19)"
 

O estudo, Svâdhyâya, é o quarto membro de niyama e um aspecto significativo da práxis yogue. Apalavra é composta de sva ("seu próprio") e adhyâya ("entrar em") e denota o ato de penetrar no sentido oculto das escrituras sagradas. O Shata-Patha-Brâhmana ("Brâhmana dos Cem Caminhos"), obra pré-búdica, traz a seguinte passagem, que descreve vivamente a extraordinária estima que se dedicava ao estudo das ciências sagradas:

"O estudo e a interpretação [das escrituras sagradas] são [uma fonte] de alegria [para o estudante dedicado]. Ele junge sua mente e torna-se independente dos outros; dia a dia vai ganhando poder [espiritual]. Dorme tranqüilo e é o seu próprio médico. Controla os sentidos e maravilha-se no Um. Crescem-lhe a intuição e a glória (yashas) [interior], [e ele adquire a capacidade] de fazer bem ao mundo (loka-pakti) [lit. "de cozinhar o mundo"]. (11.5.7.1)

O objetivo de Svâdhyâya não é compreensão intelectual; é deixar-se absorver pela sabedoria dos antigos. É a consideração meditativa das verdades reveladas por vigentes e sábios que cruzaram as remotas regiões que a mente não pode alcançar, e que só o coração é capaz de receber e deixar-se transformar. Os comentadores do Yoga-Sûtra que escreveram em sânscrito afirmam que Svâdhyâya significa também a recitação meditativa (japa) dos textos sagrados, mas o rei Bhoja só expressa a opinião de uma minoria quando afirma, em seu Râja-Mârtanda, que o estudo engloba tão somente a recitação.

O útimo elemento de Niyama, que merece de nós uma atenção especial, é a devoção ao Senhor, Îshvara-Pranidhâna. O Senhor (Îshvara), é um dos Si Mesmos transcendentes (Purusha), os quais, embora múltiplos são fundidos entre si. Segundo a definição de Patanjali, a posição extraordinária que o Senhor ocupa entre os múltiplos Si Mesmos se deve ao fato de Ele não se sujeitar jamais à ilusão de estar privado de sua onisciência e onipresença. Os outros Si Mesmos livres, porém, sofreram essa perda no momento mesmo em que conceberam-se como uma personalidade egóica determinada, um corpo-mente finito. É certo que todos os Si Mesmos são intrinsecamente livres, mas somente o Senhor é eternamente consciente dessa verdade.

O Senhor não é um Criador como o Deus judeu e cristão; tampouco é o Absoluto universal de que falam os Upanishads ou os textos sagrados do Budismo Mahâyâna. Isso fez com que alguns críticos considerassem Îshvara como um "intruso" no contexto do Yoga Clássico. Porém, a afirmação de que o Senhor teve de entrar às escusas na metafísica dualista do Yoga de Patanjali não tem fundamento. Põe de lado toda a história do Yoga Pré-Clássico, que era evidentemente teísta ( ou, a rigor, pan-en-teísta). Para interpretar essa questão, seria mais razoável supor que Patanjali, esforçando-se por dar uma estrutura racional ao Yoga, impôs uma leve mudança à definição do conceito de Îshvara para poder incorporá-lo ao seu sistema dualista. A solução não foi satisfatória; isso se deduz das muitas críticas que recebeu de representantes de outras tradições e do fato de que o Yoga Pós-Clássico retomou as concepções pan-en-teístas das escolas pré-patanjálicas.

Por que Patanjali achou por bem dar atenção à doutrina de Îshvara? A razão, muito simples, é que, para ele e para os yogins do seu tempo, o Senhor era muito mais que um conceito. Seria mais sensato supor que o Senhor corresponda, antes, a algo que todos eles conheciam por experiência. A idéia da devoção ao Senhor e da graça (prasâda) fez parte do Yoga desde os seus mais antigos primórdios, mas foi elevada a um lugar especial depois do surgimento de tradições teístas como a Pâncarâtra, consubstanciada no Bhagavad-Gîtâ.

A mente religiosa tende naturalmente a adorar a Realidade maior. É como observou o Swami Ajaya (Alan Weinstock):

" Enquanto estivermos envolvidos com as nossas necessidades, com as idéias de "eu" e "meu", permaneceremos inseguros...O cultivo da entrega e da devoção substitui esse ensimesmamento pela percepção do vínculo que interliga todas as coisas e sustenta todo este universo. A experiência da devoção e da entrega nos deixa abertos à sensação de que há algo cuidando de nós. Percebemos também que temos a capacidade de tornarmos-nos instrumentos da consciência superior, servindo ao nosso próximo e dando-lhe o que nos for possível para ajudá-lo a despertar também."

A devoção ao Senhor é o coração que se abre para o Ser transcendente, que, para o indivíduo não-iluminado, é uma realidade e uma força objetivas, mas que no ato da iluminação, é percebido como idêntico ao Si Mesmo transcendente do yogin. O Yoga-Sûtra não deixa explícito, mas a doutrina parte do princípio de que todos os Si Mesmos transcendentes, inclusive Îshvara, são eternos e onipresentes; por isso, embora se diga que eles sejam muitos, é necessário que coincidam uns com os outros.

O Yoga-Bhâshya explica da seguinte maneira a mecânica do processo de devoção:

"Em virtude da de devoção, [isto é], em virtude de um amor (bhakti) específico [por Ele], o Senhor se inclina [para o yogin] e concede os seus favores a ele especificamente, por causa da disposição que demostrou. Por essa disposição e por ela somente é que o yogin se aproxima da consecução do êxtase (samâdhi) e do fruto do êxtase, [que é a libertação]. (1.23)"

O autocontrole (Niyama), em suas cinco formas, é mais, portanto, do que um esforço pessoal, pois acarreta o elemento da graça. Os yogins fazem todo o possível para compreender e transcender os muitos meios pelos quais a personalidade egóica convencional procura perpetuar-se. Mas, em última análise, a passagem da existência individualizada para a realização extática do Si Mesmo depende da intervenção divina.


Este texto foi retirado  do livro " A Tradição do Yoga - História, Literatura, Filosofia e Prática" de Georg Feuerstein, e sofreu pequenas adaptações feitas por mim somente com o intuito de tornar mais claro o entendimento.

Namaskar - "O Divino que habita em mim saúda o divino que habita em você!

Gabriella Fernandes