sábado, 24 de agosto de 2013

O aquietamento das ondas mentais é Yoga



"...O homem é aquilo que pensa; servidão ou libertação estão em sua mente. Sentir-se aprisionado é estar aprisionado. Sentir-se liberto é estar liberto. As coisas lá fora nem o aprisionam nem o libertam; somente sua atitude perante elas faz isto..."


Quando a palavra Yoga é mencionada, muitas pessoas pensam imediatamente em algumas posturas físicas para relaxar e tornar flexível o corpo. Este é um dos aspectos da ciência yogi, mas na verdade é só uma pequena parte e relativamente recente em seu desenvolvimento. O Yoga físico, ou Hatha Yoga, foi inicialmente concebido para facilitar a verdadeira prática do Yoga, a saber, a compreensão e o domínio completo da mente. Portanto, o verdadeiro significado de Yoga é a ciência da mente.

Todos nós queremos saber mais sobre nossas mentes: como funcionam e como trabalhar com elas.Esse campo é mais próximo de nós do que qualquer outra coisa na vida. Saber como consertar um carro, preparar uma refeição ou como dividir átomos pode ser interessante e útil. Mas, para pessoas atentas, o que chama logo sua atenção é sua própria mente. O que é a mente? É ela que determina o nosso comportamento e a nossa experiência ou somos nós que a criamos e sustentamos? O que é a consciência? Podemos nos voltar para dentro de nós mesmos para estudar, compreender e mesmo controlar a mente? Este é o tema central da antiga ciência do Raja Yoga.

Tradicionalmente, a palavra Yoga em si refere-se ao Raja Yoga, a ciência da mente. Atualmente, com o crescente interesse pela expansão da consciência e pela ciência da mente em geral, é natural que voltemos para a antiga ciência do Raja Yoga. Existem, é claro, muitas abordagens ocidentais ao estudo e controle da mente, cada qual promovendo vários conceitos e técnicas diferentes. Mas comparada a elas, a antiga ciência Yogi representa um grande ancestral. Por milhares de anos os yogis vêm investigando os mistérios da mente e da consciência, e podemos muito bem descobrir que alguns de seus achados aplicam-se também às nossas próprias pesquisas.

O texto primário de Raja Yoga é chamado de Yoga Sutras de Pantanjali (às vezes de Patanjala Yoga Sutras ou Yoga Darsanam). Sutra significa literalmente "fio", cada sutra sendo o fio condutor que o professor deve expandir, adicionando "contas" de experiência, exemplo, etc. em benefício dos estudantes. São quase 200 sutras que expõe ensinamentos relacionados ao autoconhecimento,  filosofia do Yoga, as partes que se divide a Raja Yoga, os benefícios, os obstáculos para a sua obtenção e os meios de transpor tais obstáculos, as conquistas que acontecem ao praticante sincero e samadhi.

Não se sabe exatamente quando Patanjali - chamado de Maharishi, que quer dizer grande sábio - viveu. Estima-se que a data dos Sutras varia entre 5000 a.C. e 300 d.C. Em todo caso, Patanjali não foi o "inventor" do Raja Yoga, mas sistematizou, compilando idéias e práticas já existentes. Desde então tem sido considerado o "Fundador do Yoga" e seus sutras, a base para toda uma variedade de tipos de meditação e Yoga, que florescem hoje numa míriade de formas.

É dito por grandes estudiosos da filosofia do Yoga que o segundo sutra de Patanjali, por si só, já seria o suficiente, pois todos os sutras restantes apenas o explicam. É deste que vamos falar hoje:

YOGASCITTAVRTTINIRODAH

Yogas= Yoga; citta= da substância mental; Vritti= alterações; nirodhah= contenção

A tradução é:

O aquietamento das ondas mentais é Yoga.

Neste Sutra, Patanjali apresenta-nos o objetivo do Yoga. Se a contenção das alterações mentais for alcançada, a pessoa terá atingido o objetivo do Yoga. Toda a ciência do Yoga é baseada nisto. Patanjali apresentou a definição do Yoga e, ao mesmo tempo, a prática. "Se você puder controlar as ondulações da mente, você vivenciará o Yoga."

Discutiremos agora o significado de cada palavra do Sutra. Em geral, a palavra Yoga é traduzida como "união", mas uma união necessita de duas coisas a serem unidas. Neste caso, o que se unirá a quê? Assim, consideramos Yoga significando, aqui, a experiência Yogi. A extraordinária experiência alcançada através do controle das ondas mentais chama-se Yoga.

Chittam é a soma total da mente. Para ter uma imagem completa do que Patanjali quer dizer com a palavra "mente", você deve saber que dentro do chittam há diferentes níveis. A mente básica é chamada ahamkara ou o ego, o sentimento do "Eu". Isto faz surgir o intelecto ou faculdade de discernimento que é chamada buddhi.Outro nível é chamado manas, a parte da mente que deseja, que sente atração pelas coisas exteriores através dos sentidos.

Por exemplo, você está tranquilamente sentado apreciando a paz da solidão, quando um cheiro agradável vem da cozinha. No momento em que manas percebe, "Estou sentido um cheiro agradável vindo de algum lugar", buddhi raciocina, "Que cheiro é este? Acho que é queijo. Que bom! De que tipo? Suíço? Sim, é queijo suíço." Assim, uma vez que buddhi decida, "Sim, é um delicioso pedaço de queijo suíço, como aquele saboreado na Suíça no ano passado", ahamkara diz, "Oh, então é isto? Então devo comer um pedaço agora." Estas três coisas acontecem uma de cada vez, mas tão rápido que raramente as distinguimos.

Estas alterações dão origem ao desejo de comer o queijo. Criou-se o desejo, e a não ser que o satisfaça indo até à cozinha e comendo o queijo, sua mente não retornará à condição original de paz. Está criado o desejo, consequentemente a vontade de satisfazê-lo, e, uma vez que o satisfaça, você estará de volta à sua original situação de "paz". Esta é a condição natural da mente. Mas estes chitta vrittis, ou as alterações da substância mental, pertubam esta paz.

Todas as alterações mentais têm origem nas diferenças recebidas do mundo exterior. Por exemplo, imagine-se não tendo visto seu pai desde que você nasceu e que ele retorne quando você tem dez anos. Ele bate à porta. Abrindo-a, você vê um rosto estranho. Corre para sua mãe, dizendo: "Mamãe, há um estranho lá fora." Sua mãe vai à porta e vê o marido que esteve longo tempo ausente. Com toda alegria ela o recebe e apresenta-o como seu pai. Você diz: "Oh, meu pai!" Poucos minutos antes, era um estranho; agora, tornou-se o seu pai. Transformou-se em seu pai? Não; é a mesma pessoa. Você criou a idéia do "estranho" depois transformou-se em "papai", só isto.

O mundo exterior é todo baseado em seus pensamentos e atitudes mentais. O mundo inteiro é apenas sua própria projeção. Seus valores podem mudar na fração de um segundo. Hoje você pode não querer mais ver alguém que foi seu querido amor de ontem. Se nos lembrarmos disto, não sofreremos tanto com as coisas que nos rodeiam.

É por isto que o Yoga não se incomoda muito em mudar o mundo exterior. Há um ditado sânscrito que diz: "Mana eva manushyanam karanam bandha mokshayoho." "O homem é aquilo que pensa; servidão ou libertação estão em sua mente." Sentir-se aprisionado é estar aprisionado. Sentir-se liberto é estar liberto. As coisas lá fora nem o aprisionam nem o libertam; somente sua atitude perante elas faz isto.


Sri Swami Satchidananda  dizia à prisioneiros: "Todos vocês sentem-se prisioneiros e esperam ansiosamente transpor estes muros. Mas olhem para os guardas. Não são parecidos com vocês? Eles também estão entre os muros. Mesmo que possam sair à noite, todas as manhãs vocês os vêem aqui de volta. Eles adoram entrar aqui; vocês adorariam sair. A clausura é a mesma. Para eles não é uma prisão; para vocês é. Por que? Há alguma mudança nestes muros? Não, vocês sentem que é prisão; eles sentem que é um lugar para trabalhar e ganhar seu salário. É a atitude mental. Se, ao invés de aprisionamento, pensarem neste lugar como um reformatório que lhes dá uma oportunidade de mudarem sua atitude diante da vida, de reformarem e purificarem a si mesmos, adorarão estar aqui até que se sintam purificados. Mesmo que lhes digam: "Seu tempo acabou; podem ir", poderão dizer: "Ainda não estou purificado, senhor. Quero ficar aqui por mais algum tempo." De fato, muitos destes prisioneiros continuaram a levar uma vida yogi mesmo após deixar a prisão, e até mesmo foram gratos por sua vida na prisão. Isto significa que eles compreenderam bem o que lhes foi dito.

Assim, se puder ter controle sobre suas formas de pensamento e conseguir modificá-las como quiser, você não será escravizado pelo mundo exterior. Não há nada errado com o mundo. Você pode transformá-lo num céu ou num inferno de acordo com sua vontade. É por isto que o Yoga é todo baseado no chitta vritti nirodhah. Se você tem controle de sua mente, você tem controle de tudo. Assim, nada neste mundo poderá aprisioná-lo.


Este texto foi retirado do livro "Os Sutras do Yoga de Patanjali - Tradução e Comentários por Sri Swami Satchidananda" e foi adaptado por mim em alguns pequenos trechos, somente com o intuito de facilitar o entendimento.

Namaskar!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Niyama ou Autocontrole - O segundo membro do caminho óctuplo de Patanjali




"O corpo conhece o tato; a língua, o paladar; o nariz, aromas; os ouvidos, sons; os olhos, as formas; mais os homens que não conhecem o profundo do Si Mesmo (Adhyâtman) não captam este Supremo"

Mahâbhârata (12.195.4)

"Quando o yogin se qualifica pela prática da disciplina moral (yama) e por abster-se das ações ilícitas (niyama), pode passar para a prática da postura e dos outros meios."

- Yoga-Bhâshya-Vivarana 2.29


As normas da disciplina moral (yama) têm a finalidade de pôr freio ao poderoso instinto de sobrevivência e canalizá-lo para servir a um propósito superior, regulando as interações sociais dos yogins. O segundo membro do caminho óctuplo de Patanjali continua a controlar a energia psicofísica liberada pela prática regular da disciplina moral. Os elementos do autocontrole (nyama) dizem respeito à vida interior dos yogins. Enquanto as cinco regras de yama servem para harmonizar o relacionamento deles com os outros seres, as cinco regras de niyama harmonizam o relacionamento deles com a vida em geral e com a Realidade transcendente. As últimas cinco práticas são:

1.            Pureza (Shauca)

2.            Contentamento (Samtosha)

3.            Ascese (Tapas)

4.            Estudo (Svâdhyâya)

5.            Devoção ao Senhor (Îshvara-pranidhâna)

"A limpeza é irmã da santidade": eis o que dizia John Wesley, e o puritanismo da Índia acataria perfeitamente esse juízo. A purificação é uma das principais metáforas da espiritualidade yogue, e por isso não é de surpreender que a pureza seja considerada uma das cinco formas de autocontrole, Shauca. O sentido da pureza fica explícito no Yoga-Bhâshya (2.32), que distingue a limpeza externa da pureza interna (mental). A primeira se realiza por meios tais como os banhos e a alimentação adequada, ao passo que a segunda é fruto de instrumentos como a concentração e a meditação. Em última análise, a personalidade em seu aspecto mais elevado, o sattva, deve ser tão pura que possa espelhar sem distorções a luz do Si Mesmo transcendente. O Maitrâyanîya-Upanishad nos ensina acerca da pureza mental:

"Diz-se que a mente é dúplice: pura ou impura. É impura devido ao contato com os desejos; é pura quando liberta dos desejos. Quando o homem liberta a mente da preguiça e do desmazelo, torna-a imóvel e chega então ao [estado] onde não há mente, é esse o estado supremo. A mente deve ser contida no interior até a hora em que venha a dissolver-se. Essa é a gnose e a salvação; tudo o mais não passa de conhecimento livresco. Aquele cuja mente se tornou pura pela concentração e entrou no Si Mesmo sente uma alegria que não se pode descrever com palavras e que só é inteligível ao instrumento interior [i.e.,à psique]. (6.34)"

O contentamento, Samtosha, é uma virtude exaltada pelos sábios do mundo interior. No seu Yoga-Bhâshya (2.32), Vyâsa explica-a como o não cobiçar-se mais do que se tem à mão. O contentamento, portanto, é uma virtude diametralmente oposta à moderna mentalidade consumista, a qual é movida pela necessidade de adquirir cada vez mais coisas para preencher o vazio interior. O contentamento é uma expressão da renúncia, o sacrifício voluntário das coisas que nos serão inevitavelmente arrebatadas no momento da morte. Liga-se de perto àquela atitude de indiferença que faz com que os yogins encarem com a mesma frieza um torrão de terra e uma pepita de ouro. Isso permite que os yogins deparem com o sucesso e o fracasso, o prazer e a dor, com a mesma equanimidade inabalável.

A ascese, Tapas, é o terceiro elemento de Niyama e abrange práticas como as de ficar de pé ou sentado imóvel por um tempo prolongado; suportar a fome, a sede, o calor e o frio; o silêncio formal; e o jejum. A palavra Tapas significa "clarão" ou "calor" e denota a grande energia psicossomática que se produz através da ascese, energia essa que muitas vezes se faz sentir sob forma de calor. Os yogins usam essa energia para aquecer o caldeirão do seu corpo-mente até fazê-lo destilar o elixir da consciência superior. Segundo o Yoga-Sûtra (3.45), o fruto dessa ascese é a perfeição do corpo, o qual torna-se tão forte e robusto quanto um diamante. Não se deve, porém, confundir tapas com a autoflagelação prejudicial e com o faquirístico suplício de si mesmo.

O Bhagavad-Gîtâ distingue três tipos de ascese, que variam segundo a predominância de uma ou outra das três qualidades (gunas - falaremos sobre elas em uma postagem posterior) da Natureza:

"A adoração prestada aos deuses, aos nascidos duas vezes, aos mestres e aos sábios, bem como a pureza, a retidão, a castidade* e a não-violência - [a isto] se chama a ascese do corpo.

Palavras que não causam inquietação e são verazes, agradáveis e benéficas, bem como a prática do estudo (Svâdhyâya) - [a isto] se chama ascese da fala.

Serenidade mental, bondade, silêncio, auto-controle e purificação dos estados [interiores] - a isso se chama de ascese mental.

Quando essa tríplice escese é praticada com fé suprema por homens jungidos e [que] não anseiam pelo fruto [ de suas obras], é qualificada como da natureza de sattva ( sutil ou puro).

A ascese feita com ostentação ou para [assegurar] a cordialidade, a reverência e a veneração [alheias], é qualificada aqui [neste mundo] como natureza rajas ( instável e denso), É superficial e instável.

A ascese feita por força de concepções tolas [com o objetivo] de infligir-se torturas a si mesmo, ou que tem a finalidade de fazer mal a outra pessoa - é qualificada como a natureza de tamas (escuridão e obscuridade).(17.14-19)"
 

O estudo, Svâdhyâya, é o quarto membro de niyama e um aspecto significativo da práxis yogue. Apalavra é composta de sva ("seu próprio") e adhyâya ("entrar em") e denota o ato de penetrar no sentido oculto das escrituras sagradas. O Shata-Patha-Brâhmana ("Brâhmana dos Cem Caminhos"), obra pré-búdica, traz a seguinte passagem, que descreve vivamente a extraordinária estima que se dedicava ao estudo das ciências sagradas:

"O estudo e a interpretação [das escrituras sagradas] são [uma fonte] de alegria [para o estudante dedicado]. Ele junge sua mente e torna-se independente dos outros; dia a dia vai ganhando poder [espiritual]. Dorme tranqüilo e é o seu próprio médico. Controla os sentidos e maravilha-se no Um. Crescem-lhe a intuição e a glória (yashas) [interior], [e ele adquire a capacidade] de fazer bem ao mundo (loka-pakti) [lit. "de cozinhar o mundo"]. (11.5.7.1)

O objetivo de Svâdhyâya não é compreensão intelectual; é deixar-se absorver pela sabedoria dos antigos. É a consideração meditativa das verdades reveladas por vigentes e sábios que cruzaram as remotas regiões que a mente não pode alcançar, e que só o coração é capaz de receber e deixar-se transformar. Os comentadores do Yoga-Sûtra que escreveram em sânscrito afirmam que Svâdhyâya significa também a recitação meditativa (japa) dos textos sagrados, mas o rei Bhoja só expressa a opinião de uma minoria quando afirma, em seu Râja-Mârtanda, que o estudo engloba tão somente a recitação.

O útimo elemento de Niyama, que merece de nós uma atenção especial, é a devoção ao Senhor, Îshvara-Pranidhâna. O Senhor (Îshvara), é um dos Si Mesmos transcendentes (Purusha), os quais, embora múltiplos são fundidos entre si. Segundo a definição de Patanjali, a posição extraordinária que o Senhor ocupa entre os múltiplos Si Mesmos se deve ao fato de Ele não se sujeitar jamais à ilusão de estar privado de sua onisciência e onipresença. Os outros Si Mesmos livres, porém, sofreram essa perda no momento mesmo em que conceberam-se como uma personalidade egóica determinada, um corpo-mente finito. É certo que todos os Si Mesmos são intrinsecamente livres, mas somente o Senhor é eternamente consciente dessa verdade.

O Senhor não é um Criador como o Deus judeu e cristão; tampouco é o Absoluto universal de que falam os Upanishads ou os textos sagrados do Budismo Mahâyâna. Isso fez com que alguns críticos considerassem Îshvara como um "intruso" no contexto do Yoga Clássico. Porém, a afirmação de que o Senhor teve de entrar às escusas na metafísica dualista do Yoga de Patanjali não tem fundamento. Põe de lado toda a história do Yoga Pré-Clássico, que era evidentemente teísta ( ou, a rigor, pan-en-teísta). Para interpretar essa questão, seria mais razoável supor que Patanjali, esforçando-se por dar uma estrutura racional ao Yoga, impôs uma leve mudança à definição do conceito de Îshvara para poder incorporá-lo ao seu sistema dualista. A solução não foi satisfatória; isso se deduz das muitas críticas que recebeu de representantes de outras tradições e do fato de que o Yoga Pós-Clássico retomou as concepções pan-en-teístas das escolas pré-patanjálicas.

Por que Patanjali achou por bem dar atenção à doutrina de Îshvara? A razão, muito simples, é que, para ele e para os yogins do seu tempo, o Senhor era muito mais que um conceito. Seria mais sensato supor que o Senhor corresponda, antes, a algo que todos eles conheciam por experiência. A idéia da devoção ao Senhor e da graça (prasâda) fez parte do Yoga desde os seus mais antigos primórdios, mas foi elevada a um lugar especial depois do surgimento de tradições teístas como a Pâncarâtra, consubstanciada no Bhagavad-Gîtâ.

A mente religiosa tende naturalmente a adorar a Realidade maior. É como observou o Swami Ajaya (Alan Weinstock):

" Enquanto estivermos envolvidos com as nossas necessidades, com as idéias de "eu" e "meu", permaneceremos inseguros...O cultivo da entrega e da devoção substitui esse ensimesmamento pela percepção do vínculo que interliga todas as coisas e sustenta todo este universo. A experiência da devoção e da entrega nos deixa abertos à sensação de que há algo cuidando de nós. Percebemos também que temos a capacidade de tornarmos-nos instrumentos da consciência superior, servindo ao nosso próximo e dando-lhe o que nos for possível para ajudá-lo a despertar também."

A devoção ao Senhor é o coração que se abre para o Ser transcendente, que, para o indivíduo não-iluminado, é uma realidade e uma força objetivas, mas que no ato da iluminação, é percebido como idêntico ao Si Mesmo transcendente do yogin. O Yoga-Sûtra não deixa explícito, mas a doutrina parte do princípio de que todos os Si Mesmos transcendentes, inclusive Îshvara, são eternos e onipresentes; por isso, embora se diga que eles sejam muitos, é necessário que coincidam uns com os outros.

O Yoga-Bhâshya explica da seguinte maneira a mecânica do processo de devoção:

"Em virtude da de devoção, [isto é], em virtude de um amor (bhakti) específico [por Ele], o Senhor se inclina [para o yogin] e concede os seus favores a ele especificamente, por causa da disposição que demostrou. Por essa disposição e por ela somente é que o yogin se aproxima da consecução do êxtase (samâdhi) e do fruto do êxtase, [que é a libertação]. (1.23)"

O autocontrole (Niyama), em suas cinco formas, é mais, portanto, do que um esforço pessoal, pois acarreta o elemento da graça. Os yogins fazem todo o possível para compreender e transcender os muitos meios pelos quais a personalidade egóica convencional procura perpetuar-se. Mas, em última análise, a passagem da existência individualizada para a realização extática do Si Mesmo depende da intervenção divina.


Este texto foi retirado  do livro " A Tradição do Yoga - História, Literatura, Filosofia e Prática" de Georg Feuerstein, e sofreu pequenas adaptações feitas por mim somente com o intuito de tornar mais claro o entendimento.

Namaskar - "O Divino que habita em mim saúda o divino que habita em você!

Gabriella Fernandes

 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Yama - O Primeiro passo do Yoga






"O Yoga é uma visão de mundo perfeitamente estruturado e integrado que visa a transformação do ser humano, de sua forma atual e grosseira numa forma perfeita...Pode-se dizer que o Yoga visa a liberdade em relação à natureza, incluindo-se aí a liberdade em relação à natureza humana; seu vôo almeja a transcendência da humanidade e do cosmos, almeja o puro ser." 

Ravi Ravindra, "Yoga: The Royal Path to Freedom", Hindu Spirituality, p.178



"Através da prática dos membros do Yoga, e com a redução das impurezas, [brilha] o fulgor da sabedoria (jnâna), [ que aumenta até chegar] à visão do discernimento." 

Yoga-Sûtra de Patanjali (*2.28) 
 







     Patanjali rishi (sábio) teve um papel de suma importância ao compilar os oito membros, ou oito passos do caminho da autotranscendência, conhecidos como angas do Yoga ( como já foi dito anteriormente). São eles:

1. Disciplina (yama) 

2. Autocontrole (niyama)

3. Postura (âsana
 
4. Controle da respiração (prânâyâma

5. Recolhimento dos sentidos (pratyâhârâ

6. Concentração (dhâranâ

7. Meditação (dhyâna

8. Êxtase (samâdhi

    O ponto que é importante frisar a respeito destes oito pontos é que cada um deles depende do anterior, o caminho óctuplo já foi comparado a uma escada que leva da vida ordinária e egoísta à rara realidade do Si Mesmo que transcende a personalidade egóica. Sob um certo aspecto, consiste numa unificação cada vez maior da consciência; sob outro, apresenta-se como uma questão de purificação progressiva. Ambos os pontos de vista constam do Yoga-Sûtra
 

Disciplina Moral ou Yama 

    O controle da mente parece ser um grande problema para a maioria das pessoas. No Bhagavad Gita, uma das antigas escrituras do hinduísmo, o Príncipe Arjuna lamenta-se com seu amigo e mestre Shri Krishna: "Ó Krishna, minha mente naturalmente inquieta agita constantemente meus sentidos. Obstinada, resiste a todas as tentativas de controle. É tão difícil de conter quanto a força dos ventos". Se olharmos um pouco dentro de nossa mente, veremos lá uma tempestade de pensamentos. Ao tentar a concentração ou meditação para acalmar a tempestade , enfrentamos normamente uma grande dificuldade. Parece que é mais fácil controlar nossos atos exteriores que controlar os nossos pensamentos! E é exatamente esta a proposta inicial! Portanto, nós começamos pelo controle exterior, e pouco a pouco, chegamos a um controle interno.

    O fundamento do Yoga, como de todo caminho autêntico para o autoconhecimento e aprimoramento rumo a uma verdadeira libertação, é uma ética universal. O primeiro passo de Patanjali, portanto, não é nem a postura, nem a meditação, mas a disciplina moral (yama). 

    As práticas da disciplina moral (yama) têm a finalidade de pôr freio ao poderoso instinto de sobrevivência e canalizá-lo para servir a um propósito superior, regulando as interações sociais entre as pessoas. Juntas elas constituem o grande voto (mahâ-vrata), que, de acordo com o Yoga-Sûtra (2.31), deve ser posto em prática independentemente de lugar, tempo, circunstâncias e da posição social da pessoa. Essas atitudes morais têm a finalidade de pôr rédeas à nossa vida instintiva. A integridade moral é um pré-requisito essencial da prática bem-sucedida do Yoga. 

    Esta prática compreende cinco grandes obrigações morais. São elas:

1. Não-violência (Ahimsâ) 

2. Veracidade (Satya) 

3. Não roubar (Asteya) 

4. Ver a divindade dentro de cada pessoa, também interpretado como Castidade (Brahmacarya) 

5. Não cobiçar, ou não acumular coisas supérfulas para a vida (Aparigraha)  

    O mais fundamental de todos os preceitos morais é o da não-violência. A palavra Ahimsâ é traduzida muitas vezes por "não matar", mas essa tradução não transmite o pleno sentido do termo. Ahimsâ, na verdade, é a não-violência em pensamentos e ações. É a raiz de todas as outras normas morais. A epopéia do Mahâbhârata (3.312.76) emprega a palavra anrishamsya ("falta de malícia") como sinônimo de ahimsâ. O motivo pelo qual o yogin cultiva essa virtude é que o desejo de não fazer mal a outro ser nasce do impulso de unificação e de transcendência do ego, o qual vive, caracteristicamente, em guerra consigo mesmo. Os yogins, portanto, buscam acalentar aquelas atitudes que aos poucos vão ajudá-los a realizar o que o Bhagavad-Guîtâ (13.27) chama de visão de igualdade (sama-darshana)- uma visão que vai além das aparentes diferenças entre os seres e chega até a sua Ipseidade Transcendental.

    A veracidade, ou Satya, é muitas vezes exaltada na literatura ética e yogue. O Mahanirvâna-Tantra, por exemplo, nos diz:


"Não há virtude mais excelente que a veracidade nem pecado maior que a mentira. Portanto, o homem [virtuoso] deve buscar refúgio na veracidade com todo o seu coração.



Sem a veracidade, a recitação [dos mantras sagrados] é inútil; sem a veracidade, as penitências são tão infrutíferas quanto uma semente lançada em terra árida.



A veracidade é a forma do supremo Absoluto (brahman). A veracidade é, sem dúvida alguma, a melhor das aceses. Todos os atos [devem ter] por fundamento a veracidade. Nada há de mais excelente que a veracidade." (4.75-77)


    O não- roubar, ou Asteya, liga-se de perto à não-violência, uma vez que o ato de apropriar-se de coisas de valor sem a autorização do proprietário é uma forma de violência contra a pessoa de quem essas coisas são roubadas

    O Brahmacarya é muitas vezes interpretado como castidade, mas seu objetivo é evitar o hedonismo descontrolado. Sob o aspecto mais geral, pensa-se que a estimulação sexual interrompe ou obstaculiza a aspiração à iluminação ou libertação, na medida em que alimenta o desejo de experiências sensoriais. É interpretada e aplicada de maneira diferente dependendo da tradição.

    O não-cobiçar, ou Aparigraha, é definido como o hábito de não acumular coisas supérfulas, ou não aceitar presentes, pois eles tendem a gerar apego e o medo da perda. Assim, os yogins são encorajados a cultivar a simplicidade voluntária. O excesso de bens materiais só serve para distrair a mente. A renúncia é um aspecto que faz parte do estilo de vida yogue.

    Afirma-se que cada um dessas cinco virtudes, quando plenamente dominada, dá ao seu possuidor certos poderes paranormais (siddhi). A perfeição da não-violência, por exemplo, cria ao redor dos yogins uma aura de paz que neutraliza na presença deles todos os sentimentos de inimizade e até mesmo a hostilidade natural que existe entre certas espécies de animais, como o gato e o rato. Com a perfeita veracidade, os yogins adquirem o poder de fazer com que suas palavras sempre se realizem. A perfeição da virtude do não-roubar faz com que obtenham, sem esforço, tesouros de todos os tipos, ao passo que o não-cobiçar é a chave para o conhecimento do nascimento atual e dos nascimentos anteriores, provavelmente porque o apego ao corpo-mente é uma forma de cobiça, ao passo que o não-cobiçar implica um alto grau de desapego em relação às coisas materiais - o corpo inclusive - , o que faz vir à tona as lembranças esquecidas acerca das existências anteriores.

Por fim, quando os yogins firmam-se na virtude da castidade, adquirem grande vigor.

Alguns textos tardios de Yoga mencionam outros cinco preceitos morais: 

1. Compaixão (Dayâ) ou amor ativo

2. Retidão (Ârjava) ou integridade moral

3. Paciência (Kshamâ) ou a capacidade de identificar-se metodicamente com a consciência-testemunha e deixar que as coisas se desenrolem segundo seu próprio ritmo

4. Constância (Dhriti) ou a capacidade de permanecer fiel aos próprios princípios

5. Dieta parca (Mita-Âhâra; escreve-se mitâhâra), que pode ser considerada um subcategoria do não-roubar, pois os excessos alimentares são uma forma de roubar os outros seres e a Natureza. 

    De certo modo, as práticas virtuosas mostradas acima são englobadas pelas cinco categorias de Yama, ou disciplina moral. Esse controle criativo que os yogins exercem sobre as suas energias exteriorizantes resulta num excedente energético que pode então ser posto a serviço da transformação espiritual da personalidade!

    Hoje tratamos de forma principal o primeiro membro do caminho óctuplo de Patanjali, Yama, que tem como objetivo oferecer formas de comportamento para que possamos através deles canalizar nossos instintos mais primitivos, com o objetivo de regular as interações sociais. Posteriormente falaremos sobre Niyama, princípios éticos também mais com o intuito de harmonizar relacionamento com a vida em geral, consigo mesmo e com a Realidade transcendente. 


Namaskar - "O divino que habita em mim, saúda o divino que habita em você, com toda força da minha mente e amor do meu coração"



Gabriella Fernandes



Referências Bibliográficas 


    Neste texto usei como fundamentação principal o livro de Georg Feuerstein "A Tradição do Yoga - Histórias, Literatura, Filosofia e Prática", da editora Pensamento. Além desta obra principal utilizei referências nas obras de Swami Bhaskarananda "Meditação - A mente e a Yoga de Patânjali", da editora Lótus do Saber e a obra de Srii Srii Ananda Murti ou P.R.Sarkar "A libertação da mente através do Tantra Yoga", da editora Ananda Marga, Yoga e Meditação.
 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Porque devemos Meditar?

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O que é o Caminho do Yoga?



"A entidade humana não é apenas uma entidade física - você é algo mais sutil, mais doce, mais encantador e mais fascinante." 
Srii Srii Anandamurti


O termo Yoga provém da raiz sâncrita yuj que significa “atrelar”, “juntar”, “unir” e também significa “preparado” ou  “adequado”. O Yoga tem como objetivo a realização da união entre o indivíduo e o absoluto.

A obra “Yoga Sutras de Patanjali” é um tratado clássico da filosofia do Yoga e uma compilação dos principais aspectos deste sistema filosófico. O resumo é aquilo que se convenciona chamar de Ashtanga Yoga, ou os 8 (oito) passos ou pilares da Yoga clássica. O principal mérito dos sutras do Yoga foi estabelecer um código regulador da prática baseado em preceitos éticos e numa delimitação dos conceitos teóricos.

Nesta obra Patanjali afirma que o segundo sutra é o mais importante, resumindo todos os outros sutras e a definição de Yoga: Yogaçcittavrttinirodhah || 2 || , que quer dizer de forma resumida “O Yoga é o recolhimento das atividades da mente” ou “O Yôga é o cessar das oscilações mentais”. É a desindentificação com a nossa mente em seus processos negativos e a partir daí o contato com sua essência interior mais pura. Em outras palavras é “Transformar consciência humana em consciência divina” Jaideva Singh.

A prática de Hatha Yoga, ou a parte física do Yoga, é composta de Ásanas (posturas corporais), Pranayama (controle da respiração), Pratyara (desligar os sentidos do mundo físico) e Dharana (concentração). Estas são alguns dos 8 (oito) pilares ou passo da filosofia do Yoga, que tem como propósito sutil ajudar a mente a aquietar-se na vivência da meditação.

Entretanto há ainda 4 (quatro) pontos restantes fundamentais para vivenciar o caminho do Yoga que são os princípios éticos para consigo mesmo – Niyama – e para com o mundo – Yama. Além destes há o Dhyana (meditação) e por fim o Samádhi (união com a consciência cósmica). O filósofo e mestre Srii Srii Anandamurti resumiu em uma frase como entender estes princípio “A base é a moralidade, o meio é a prática e a meta é a união”.

A prática indiscriminada do Yoga leva muitos praticantes a erros de método, que podem causar danos ao organismo físico e psíquico. Mas o erro mais freqüente é de natureza conceitual, fazendo boa parte dos praticantes acreditar que a perfeição do corpo é imprescindível para a prática física adequada de Yoga.

Os sutras, textos considerados sagrados, deixam claro que o Yoga atua em um nível mais sutil em nós, trabalha a nossa mente, e o corpo é apenas uma ferramenta adicional para o correto desempenho prático. Assim fica claro que o Yoga é para todos, em sua filosofia e prática, sem nenhum tipo de restrição.

O caminho do Yoga existente há milhares de anos, é atemporal e ao mesmo tempo contemporâneo, pois foi desenvolvido para o ser humano subentendendo-se que ele está sempre em um processo gradual e progressivo em direção a sua essência.

Vivenciar o caminho do Yoga é conseguir o controle psico-físico transcendendo todos os fatores limitantes para alcançar o grau de consciência mais elevado, conhecido na filosofia do Yoga como supra-consciência ou samadhii.

Através dessa prática que tem como base o aprimoramento físico e espiritual trilhamos o caminho rumo ao autoconhecimento, rumo ao nosso estado original de tranqüilidade. No nível físico experimentamos diversos benefícios como o fortalecimento e alongamento dos músculos, o massageamento e ativação dos órgãos internos, o equilíbrio das funções das glândulas endócrinas, o aumento da nossa energia e eficiência nas tarefas do dia-a-dia, o aumento da criatividade e concentração, a melhora do metabolismo, a remoção do excesso de peso, etc. No nível sutil ficamos mais fortes internamente, mais estruturados, e o mundo externo, dessa forma, vai deixando de nos afetar negativamente.

Na verdade o Yoga não se faz, se vive! E vivendo no caminho do Yoga trilhamos um percurso para alcançar nossas capacidades ilimitadas, o que somente é possível quando encontramos nossa essência interior.

Namaskar

Texto: Gabriella Fernandes – (Gayatrii)

Referência Bibliográfica :
·        “A liberação da mente através do Tantra Yoga” Ananda Marga Publicações.
·        “Os Yogasutras de Patañjali: Traduzidos do sânscrito e comentados por Carlos Eduardo G. Barbosa”.
·        “Yoga para corredor” Luiz Abertini.